É, eu sei que eu sou motivo de algumas conversas suas entre seus amigos. Você fala de mim de um jeito sem sorrisos, com a alegria expulsa da prosa, pra falar de um lugar de consternação. Você fala de mim com tristeza porque desse lugar aí que você me olha você vê tristeza. E isso fala mais de você do que de mim, de fato.
Eu sei que você fala meu nome só depois de falar minha perda. Meu luto vem antes de mim pra você. Eu sou aquele que perdeu a filha, e é como se isso estivesse estampado em minha cara. Mas quem me colocou essa estampa, já se perguntou?
Eu também sei que você fala por aí que eu não sei ainda o que é ser pai. Porque teus filhos andam e correm e fazem besteira e falam palavras erradas de formas fofas. E você olha pra mim e não vê minha filha. E assim, você não consegue enxergar que minha paternidade é fundada no amor incondicional, e não na presença. E isso também fala mais de você…
Eu sei que você me usa, nessas conversas com outras pessoas, como uma oportunidade de se sentir melhor com você mesmo(a). O meu luto te conforta ao mesmo tempo que te assusta. Porque ele te traz a ameaçadora possibilidade de que você também pode, a qualquer momento, atravessar um caminho como o meu, ao mesmo tempo que ele diz que até agora, não.
Eu sei que você tem todo um repertório de certezas sobre mim: como me sinto, porque eu faço as escolhas que faço, o que é certo e errado. Aos seus olhos eu deveria um monte de coisas. Mas estes olhos são seus. Os meus estão agora te olhando.
Eu sei que você sabe um monte de coisas. Um monte. Mas perceba, eu também sei. Eu te olho e vejo o quanto eu sei sobre amar, sobre ser pai, sobre a vida e a morte, sobre o tempo, sobre ser, coisas que você nem sonha em saber. Porque saber dessas coisas vem com um custo alto. Que eu não escolhi. Isto fala sobre mim.
Então entenda minha sabedoria. E meu desejo de que você fique nessa ignorância para o resto de sua vida. A menos que você pare de saber sobre mim e ao invés, escolha me ouvir e me ver como eu sou.