Hoje é dia das mães. Uma data que é também usada para o lucro, mas é também uma data simbólica. Mães, filhos, filhas, filhes de alguma forma, mínima que seja, acabam se envolvendo com esse dia. Algumas pessoas mais outras menos. Pode acontecer por lembranças boas ou ruins, momentos de nostalgia felizes e outros não tão felizes, e etc.

Em tempos de pandemia, como a que estamos vivendo hoje, domingo 10 de maio de 2020, muitas pessoas sentem falta do contato de proximidade com as pessoas, logo também com suas mães, devido ao distanciamento e isolamento social. O afeto pelo contato, está sendo ressignificado por outras formas de se manifestar e demonstrar carinho e amor. Entender que um gesto de longe pode ser um movimento por vezes até mais singular e profundo do que um contato de proximidade, está sendo um desafio pra muitas pessoas neste momento. E tomara que esses ensinamentos não sejam esquecidos.

Quem me conhece sabe que eu sou de muito afeto, de amor, do contato pelo toque, da mão no rostinho, do aperto na bochecha, do abraço. Puxei de mamãe e aprendi com ela a ser carinhoso. Eu já manifestava esse tipo de contato através de outras maneiras além do contato físico com pessoas distantes de mim. Porém, mesmo assim sinto muito o distanciamento, necessário neste momento, por ser uma pessoa do toque. Tive que ressignificar mais uma vez meu olhar pra tudo que eu entendo como sendo afeto pelo toque, para lidar com esse momento. E pra falar disso quero lembrar de um filme e uma novela recente. Sendo cinéfilo, grande apreciador de novelas e colecionador de trilha sonora de novelas, minhas emoções passam por esses caminhos também.

O filme chama-se “Lado a Lado”. É um drama do ano de 1998, dirigido por Chris Columbus, que conta a história de uma menina de doze anos e um garoto de sete anos, que estão tendo que lidar com o divórcio dos pais e vendo o pai envolvido com outra mulher. Esse filme, pela minha leitura, fala sobre amor e cuidado. Ele nos ensina sobre algo muito importante, um amor específico que quase não se fala. O amor incondicional. No filme mostra a mãe, (Susan Sarandon), demonstrando para seu filho e filha como acessar o “amor que não morre”. É singular e emocionante.

Eu vi o filme no cinema logo após ele estrear, um ano depois que minha faleceu. Eu tinha 16 anos quando ela partiu. O filme me marcou. Naquele momento, não consegui captar de forma profunda o que aquela mãe estava dizendo para seus filhxs. Tinha 17 anos e a ausência de minha mãe estava recente e eu ainda tentava entender o meu luto. Tenho grande carinho por Lado a Lado, sempre me emociono e lembro de mamãe quando vejo. Apenas anos depois que consegui entender aquele amor que a mãe no filme dizia.
Mesmo não assimilando direito, sempre senti que o amor nunca foi embora, não foi junto com a morte dela, eu apenas não conseguia olhar e acessar ele de forma que pudesse entender e que fizesse sentido pra mim. Durante todos esses anos eu venho tentando entender e me conectar com esse amor que não morreu. Ano passado quando comecei a frequentar os encontros do projeto/coletivo Luto do Homem, iniciei contato com esse amor de uma forma muito diferente e que tem feito sentido. Venho aprendendo cada vez mais e melhor a me conectar e olhar para esse amor.

A novela que trago, é “Amor de Mãe”, autoria de Manuela Dias. Atual novela das 21h, que está interrompida devido a pandemia. Vem mexendo com o coração das brasileiras e brasileiros. Essa novela tem ligação com uma outra, da época que minha mãe estava viva, “A Indomada”. Escrita por Agnaldo Silva e Ricardo Linhares no ano de 1997, passou no horário das 20h, hoje 21h. Ela substituiu “O Rei do Gado” e foi substituída por uma outra novela marcante pra mim, “Por Amor”, já escrevi sobre em outro texto.

A ligação é uma das músicas da trilha sonora: “Onde estará o meu amor” de Chico César, na voz de Maria Bethânia, tema de Pedro Afonso (Cláudio Marzo) e Zenilda (Renata Sorrah).
Em Amor de Mãe, a mesma canção é tema de D. Lurdes (Regina Casé).

Toda vez que tocava a música, nas chamadas da novela, meu coração acelerava muito. Imediatamente eu me lembrava de minha mãe. No primeiro capítulo chorei a novela inteira e tem sido desta forma toda vez que a música toca. Fico arrepiado ao ouvir a música. Entendi que essa sensação, também sou eu entrando em contato com minha mãe. Não é algo ruim, é uma sensação de amor que invade meu coração, não sei explicar direito. As vezes vem de lembranças boas e as vezes não tão boas, mas o elo do contato com o amor se estabelece.

Venho entendendo que o amor por minha mãe aparece em diversos momento em minha vida. As vezes eu procuro ele e as vezes ele me procura, em outras ocasiões o momento traz o amor. Entender esse movimento é constatar um amadurecimento.

Muitas pessoas hoje estão fazendo postagens com fotos com suas mães. Eu não tenho uma foto recente com ela. Minha mãe não viu eu me tornar o homem que sou hoje, não esteve nas minhas formaturas, não esteve no meu primeiro relacionamento afetivo, não esteve em diversos outros momentos. Porém, apenas com o tempo percebi, que a não presença dela, era apenas física. Que pelo amor ela nunca deixou de estar comigo e eu nunca deixei de estar com ela. O amor que é ensinado no filme Lado a Lado, eu só compreendi muitos anos depois e foi essencial pra eu entender que ela esteve/está comigo pelo coração e vice-versa. Que estamos juntos, por mais que pareça não ser real. Eu sinto. É legítima a presença dela dentro do meu coração, e ela faz o mesmo. O amor incondicional é assim não tem barreiras, pode não ser visto a olho nu. Este é um amor muito verdadeiro, profundo e forte. E eu sinto ele.

Então, você que não pode ver sua mãe hoje, tente ressignificar esse contato. O amor de mãe e o amor de filho/a, em muitas das vezes não precisa ter o contato pelo toque, ele precisa ser sentido. Pra isso acontecer não precisa estar perto, próximo ou aqui na Terra. Sinta ele. Sinta ele dentro de você que sua mãe onde estiver irá sentir também. Acontecerá um elo entre esses dois corações. Olhe pra ele através do sentimento de amor dentro de você. Ele está ai e ele nunca, nunca irá morrer.

Esse texto também é uma forma de contato com mamãe.

Quando me permito sentir o amor dentro do meu coração e olhar pra ele, eu vejo minha mãe, Valquíria. Eu vejo que o amor vive.

Respondendo a afirmação do nome da canção, Onde estará o meu amor: dentro do meu coração. Ao lado do amor de mãe, está o meu amor de filho. Ambos estão lado a lado.

O amor não morre.

Leonardo Morjan Britto Peçanha, filho de D. Valquíria Britto Peçanha.

Filho enlutado há 23 anos.

Assine a nossa Newsletter

RECEBE AS NOVIDADES SOBRE O PROJETO